segunda-feira, 31 de março de 2014

Motoristas de BH continuam a desrespeitar a faixa de pedestre

Desrespeito à sinalização e fiscalização fraca levam mais perigo às faixas de travessia. Multas caíram 35% em 2013

A estudante de arquitetura Milena Campos, de 20 anos, sabe que tem a preferência, mas não se arrisca. Quando precisa atravessar uma rua ou avenida de Belo Horizonte, ela espera até que todos os carros passem ou que algum, raramente, pare. “Eles quase nunca respeitam. Tenho medo de ser atropelada”, diz. O receio é justificado. A maioria dos condutores continua sem parar nas faixas, apesar de o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e o estatuto do pedestre da capital garantirem preferência para quem está a pé e de uma campanha educativa municipal tentar há meses conscientizar motoristas. Para piorar, qualquer mudança no quadro parece distante, uma vez que pouquíssimos motoristas são punidos: no ano passado, só 87 condutores foram multados por não dar preferência a pedestres – número 35% menor que em 2012.

Basta percorrer vias de Belo Horizonte para notar que o número de multas por desrespeito às faixas poderia ser muito maior. Na esquina da Avenida do Contorno com a Rua Grão Mogol, no Carmo-Sion (Região Centro-Sul), por exemplo, a universitária Milena só pôde atravessar uma faixa depois que mais de 10 carros passaram. No local há uma placa indicando que a preferência é de quem está a pé. Ali, durante 20 minutos, apenas um taxista deu vez a um pedestre. Nem mesmo uma senhora com criança de colo teve prioridade e só atravessou depois de 13 carros passarem pelo cruzamento. A reportagem do EM presenciou situações semelhantes em outras vias da Região Centro-Sul. 

Para especialistas, o desrespeito à faixa é um dos fatores que contribuem para a insegurança de quem anda a pé – a falta de educação de uma parte dos próprios pedestres, que muitas vezes descumprem regras do Códido de Trânsito Brasileiro, também preocupa (leia mais na página 18). Números da violência no trânsito na capital mostram que o risco continua: embora o número de mortes por atropelamento tenha caído no ano passado em relação a 2012 (de 84 para 67), a proporção de pedestres entre os mortos em todos os tipos de acidente subiu de 46,5% para 69,9% no período. 

Mas, por que é tão difícil fazer com que a faixa seja respeitada? Para especialistas e autoridades envolvidas com o trânsito, o problema é que a relação entre motoristas e pedestres ainda é de conflito em Belo Horizonte. A regra estabelecida no código de trânsito é que, em ordem decrescente, veículos motorizados respeitem os não motorizados, e que todos zelem pela segurança do pedestre. Na prática, a situação ideal está distante. Para a chefe da Delegacia de Acidentes de Veículos (Deav) de Belo Horizonte, delegada Andrea Abood, os vilões são a imprudência e a falta de educação. “Infelizmente, os motoristas em Belo Horizonte não respeitam a preferência do pedestre na faixa. Mesmo em locais devidamente sinalizados, quem está a pé precisa aguardar para ter o direito à travessia”, reconhece. A delegada ressalta que muitos pedestres também não procuram as passagens sinalizadas ou passarelas. 

Andrea Abood avalia que o aumento da proporção de pedestres entre os mortos no trânsito da capital em 2013 tem relação direta com o momento que a cidade enfrentou no ano passado. “Foi um ano de muitas obras e intervenções no trânsito da cidade. Ainda que necessárias, as mudanças deixaram o pedestre mais exposto a acidentes em seus deslocamentos”, opina. 

Comportamento 

A BHTrans, empresa que gerencia o transporte e trânsito na capital, reconhece a dificuldade em fazer o respeito à faixa virar hábito entre motoristas. Na avaliação do gerente de Educação para a mobilidade do órgão, Humberto Rolo Paulino, o maior obstáculo está no comportamento inadequado das pessoas em uma cidade com trânsito intenso. “Veículos e pedestres precisam se deslocar em um espaço dividido. Nessas circunstâncias, os conflitos ocorrem a todo o tempo e devem ser disciplinados por leis, fiscalização, equipamentos de controle, mas, sobretudo, pelo comportamento das pessoas, que tem que melhorar”, diz. 

Segundo Paulino, o sucesso de campanhas educativas tem relação direta com o tamanho da área de abrangência e de fiscalização intensa. Para ele, uma das explicações para que a faixa de pedestre seja mais respeitada em Brasília, por exemplo, é o menor número de cruzamentos e faixas em comparação com Belo Horizonte. “Brasília tem condições que favorecem. Com poucas faixas fica mais fácil fiscalizar”, avalia. Em Belo Horizonte, com tantos cruzamentos, ele reconhece ser mais complicado manter a vigilância por toda parte, mas afirma que é dever das autoridades aplicar as multas. “Acho que precisa melhorar, multar mais, para que as pessoas passem a respeitar. Se o motorista desrespeita essa travessia, ele deve ser multado”, afirma. 

PM cobra educação no trânsito

As estatísticas do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) indicam que há pouca fiscalização para o que prevê o artigo 214 do código de trânsito. A norma determina como infração gravíssima, com sete pontos na carteira de habilitação, o fato de deixar de dar passagem a pedestre que se encontre na faixa. Enquanto para outras irregularidades, como estacionar na faixa e parar na faixa, foram registradas 16 e oito multas diárias, respectivamente, a punição para quem não respeita a preferência do pedestre foi muito menos frequente: uma a cada quatro dias, em média. 

O assessor de imprensa do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran), tenente Nagib Magela Jorge de Oliveira, afirma que a corporação fiscaliza a preferência do pedestre nas faixas, mas diz que, “infelizmente, a PM não tem como deixar um agente em todas as esquinas”. Para ele, a maior mudança deve passar pela conscientização de motoristas e pedestres. “O mais importante é o condutor respeitar o pedestre e não esquecer que ele também é pedestre”, defende.

Sobre as campanhas de conscientização, o gerente da BHTrans, Humberto Paulinho, afirma que as atividades são ininterruptas e considera que já foram suficientes para mudar, positivamente, o comportamento de parte dos condutores. “Em maior ou menor grau, há quem se preocupe com a vida das pessoas e respeite o pedestre. Isso ainda não ocorre no grau desejado, mas há uma solidariedade maior”, avalia.Palavra de especialista

Guilherme Durães Rabelo, vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego

Culpa é  de todos

Assim como as vítimas de acidentes de moto, os pedestres vêm representando um número maior entre os feridos e mortos no trânsito porque são parte frágil nas vias públicas. Tamanha violência contra o pedestre é resultado de dificuldades institucionais, como sinalização duvidosa, falta de travessias seguras, de passarelas e de faixas mais próximas umas das outras, além de mudanças viárias que não vêm acompanhadas da presença de agentes de trânsito, fiscalização insuficiente e punição pouco efetiva. Há outro agravante: as falhas humanas. As pessoas são impacientes, não querem andar um pouco mais para atravessar de forma segura. De forma geral, as pessoas precisam ser reeducadas. Não há só um culpado nessa história. A culpa é compartilhada.

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