sexta-feira, 13 de abril de 2012

O queijo de cada dia


Add caption

Entre os muitos ingredientes da riquíssima culinária mineira, nenhum é tão emblemático quanto o queijo. Produto genuíno das serras do Estado, ele foi usado, muitas vezes, para nos retratar de forma pejorativa. Mas, certamente, os que fazem isso não imaginam o quão apurado é esse item, comparado apenas aos mais finos queijos franceses. 

Foi por defender as peculiaridades do sabor regional que o festival Comida di Buteco, que tem início hoje, resolveu destacar o queijo Minas, ingrediente obrigatório nos petiscos dos 41 bares participantes. Mas esse "único" produto exigido engloba um universo mais amplo e desafiador, incrivelmente desconhecido em sua diversidade até pelos mineiros. "Quando começamos a trabalhar para o festival deste ano com os donos de bares, percebi que muitos não entendiam e não sabiam diferenciar um queijo Minas dos demais. Para quem vive na cidade, isso é mais difícil", conta o gastrônomo Eduardo Maya, idealizador do evento. 

Ele explica que a opção foi, então, dividir os diversos tipos em três: Minas frescal, Minas Padrão e artesanal (veja abaixo). 

Mas, dentro dessa última categoria, a mais prestigiada e defendida por especialistas, há outras em formação, impulsionadas por diferenciações de forma, sabor, cheiro e gosto e fatores como localidade produtora e tipo gado leiteiro, explica o historiador José Newton Meneses, responsável pela pesquisa organizada junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que resultou no título de patrimônio cultural imaterial para o queijo Minas de três regiões - Serro, Alto Paranaíba e Canastra.

Durante os mais de dois anos em que colheu informações para o dossiê, José observou as nuances que reforçaram a importância da atividade no Estado. "A forma de preparo (do queijo artesanal) é bastante similar nas várias regiões do Estado, assim como o fato da produção ser um saber transmissível de pai para filho e um elemento agregador na fazenda: onde se fabrica queijo, todos os demais funcionários e tarefas giram em função do queijeiro e do tempo do queijo. Assim, o que especifica o queijo artesanal em cada lugar são os detalhes que fazem diferença", diz. 

A diversificação também é ponto alto para a criação gastronômica, não só durante o Comida di Buteco, mas em restaurantes da cidade. "Quando falamos em queijo Minas, não podemos pensar em um produto apenas: o do Serro pode servir para uma proposta de receita, mas não para outra. Além disso, é preciso escolher um queijo menos ou mais curado, porque isso traz resultados diferentes. Acredito que esse processo de escolha tenha sido o maior desafio para os donos dos bares", analisa o chef Ivo Faria, do restaurante Vecchio Sogno.

Referência. Para o chef, o Mercado Central ainda é o melhor lugar para se comprar um produto autêntico, além de oferecer uma gama maior de opções. Afinal, são mais de 50 lojas de laticínios e gente que conserva uma tradição de décadas, como a Loja do Itamar, referência no setor que vende um sem-fim de opções há quase 30 anos (só do produto originário da serra do Canastra, são 3,5 mil quilos por mês). "Temos queijos únicos aqui, como o Canastra com 31 dias de maturação, mas muitas pessoas não entendem essa riqueza que só o artesanal tem: é frequente um cliente reclamar porque comprou um queijo num mês e no outro ele não estava com o mesmíssimo sabor: nem poderia estar, é por isso que ele não é padronizado", defende um dos "herdeiros" do espaço, Luiz Gustavo Gomes.

Sua fala encontra eco na argumentação do professor José Newton. "Por ser um produto do leite não pasteurizado, o queijo artesanal é vivo, tem uma gama microbiana que não é maléfica e que dá riqueza", diz. Na opinião do especialista, é essa concepção de produto vivo que precisa ser melhor entendida para que questões sanitárias, como as colocadas em voga recentemente limitando a circulação do ingrediente a cidades de Minas Gerais, não impossibilitem a produção, venda e consumo. "O queijo não é um isopor, é assim que o povo do campo fala e isso é verdade: ele está em constante processo de maturação e de mudança, porque as bactérias normais do leite atuam de modo diferente na época de seca e de chuva. A questão aqui é ver o que é bem produzido, bem conservado e o que não é. Não dá para generalizar", argumenta.


Minas Frescal. É, normalmente, pasteurizado, ou seja, feito com leite "cozido" e industrializado. É preparado com a retirada de parte da gordura do leite (desnate). Além disso, o processo industrial impede que ele continue se maturando por conta própria.

Minas Padrão. Assim com o frescal, também é pasteurizado, ou seja, feito com leito "cozido" e industrializado. Também não está sujeito a processos de maturação naturais. No entanto, é preparado com leite comum e tem casca amarelada e massa interna branco-creme.
Minas Artesanal. Feito com leite cru em processo manual. Após ser comercializado, ainda é passível de processos naturais de maturação que alteram algumas características, como o sabor. Em geral, é classificado de acordo com a região de produção (Canastra, Serro, Alto Paranaíba etc)

Nenhum comentário:

Esquerda ou Direita?? Qual o melhor caminho?

  Dizem que tudo ou quase tudo tem dois lados, e na vida política de uma nação não seria diferente, sendo que cada país, cada continente t...